quinta-feira, 31 de julho de 2008

sussurro no pé do ouvido


Ai ai ai, Tom Jobim...
Ai ai ai, Elza Sores
cantando assim.:

Céu,
tão grande
é o céu e bandos
de nuvens que passam ligeiras
Pra onde elas vão,
ah! eu não sei,
não sei

E o vento que fala nas folhas
contando as histórias
que são de ninguém

Mas que são minhas
e de você também

Ah! Dindi

Se soubesses do bem que eu te quero
O mundo seria, Dindi, tudo, Dindi,
lindo Dindi
Ah! Dindi

Se um dia você for embora
me leva contigo,Dindi
Fica, Dindi,
olha Dindi

E as águas deste rio
aonde vão eu não sei
A minha vida inteira
esperei,esperei

Por você,Dindi
Que é a coisa mais linda
que existe
Você não existe, Dindi
Olha,Dindi
Adivinha,Dindi
Deixa, Dindi
Que eu te adore,Dindi
Elza Soares letras

Somos?

arte: Lorena Alves de Mello


A alma de um povo
Seu rosto no espelho
Que vestes eu vejo?

A identidade do novo
Seu status vermelho
Que queres, primeiro?

A imagem que vendo
Falo, eu, brasileiro.
O repertório que escolho
Que modas elejo?

...

Lamento, não saber onde buscar uma certeza
Conheço você e não é que eu me esqueça
É somente não ver com a mesma esperança
Força nessa construção do novo. Temperança...

...

Eu sei que eles não dizem nada
Eu presto atenção em tudo, mas
É sempre a mesma ladainha...
Eles, invariavelmente, dizem nada.
Toda essa inspiração é para uma pergunta:

O que andam fazendo com os meus amigos???
Com as amigas fazem ainda pior, sei o que digo
Numa mesa de quatro, três têm um sonho de consumo:
Uma bazuca, tipo canhão, cano longo, novinha da silva!

Estranham eu sonhar com a peruca daquela cantora,
A que se machuca e diz não não não à clínica de reabilitação.
Ou o violão daquela outra que não não não
É um blues... o amor não é para mim.

Onde foram parar os sonhos: em canos estreitos e longos
Brasil bazuca??? Sei que não adianta também ser fábrica de sonhos, sei disso.
Só me coloca, por um lado, parte do todo, por outro, fora da turma

Sim, eu preciso pagar as contas. Sim, eu preciso alimentar os filhos
Mas não sou eu aquilo que sonho? Então não consigo olhar e não ver
O que andam fazendo com os meus amigos...
Com as amigas fazem pior, sei o que digo.

o mundo é assim... bolhinha de sabão...



por Carla Bruni
http://br.youtube.com/watch?v=UOKiLHxBmMU&feature=rec-fresh

Todo o mundo é uma pessoa engraçada
E todo o mundo tem a alma emaranhada
Todo mundo tem uma infância que ressoa
No fundo de um bolso esquecido
Todo mundo tem restos de sonhos
E cantos de vida devastados
Todo mundo procurou alguma coisa um dia
Mas todo mundo não a encontrou
Mas todo mundo não a encontrou

Seria preciso que todo mundo pedisse junto às autoridades
Uma lei contra toda nossa solidão
Que ninguém seja esquecido
E que ninguém seja esquecido


Todo mundo tem somente uma vida que passa
Mas todo mundo não se lembra disso
Eu vejo pessoas que a dobram e até mesmo a quebram
E vejo aqueles que nem mesmo a vêm
E vejo aqueles que nem mesmo a vêm

Seria preciso que todo mundo pedisse junto às autoridades
Uma lei contra toda nossa indiferença
Que ninguém seja esquecido
E que ninguém seja esquecido

Todo mundo é uma pessoa engraçada
E todo mundo tem a alma emaranhada
Todo mundo tem uma infância que ressoa
No fundo de uma hora esquecida
No fundo de uma hora esquecida


(cinco horas de escuta de uma discussão sobre "Direitos Autorais" me deixaram assim...)

segunda-feira, 28 de julho de 2008

"C´est un blues...




L'amour, hum hum, pas pour moi,
Tous ces "toujours",


C'est pas net, ça joue des tours,
Ça s'approche sans se montrer,


Comme un traître de velours,
Ça me blesse, ou me lasse, selon les jours


L'amour, hum hum, ça ne vaut rien,
Ça m'inquiète de tout,


Et ça se déguise en doux,
Quand ça gronde, quand ça me mord,


Alors oui, c'est pire que tout,
Car j'en veux, hum hum, plus encore,


Pourquoi faire ce tas de plaisirs, de frissons, de caresses, de pauvres promesses ?


A quoi bon se laisser reprendre
Le coeur en chamade,
Ne rien y comprendre,
C'est une embuscade,


L'amour, hum hum, ça ne va pas,
C'est pas du Saint Laurent,
Ça ne tombe pas parfaitement,
Si je ne trouve pas mon style ce n'est pas faute d'essayer,


Et l'amour, hum hum, je laisse tomber!


A quoi bon ce tas de plaisirs, de frissons, de caresses, de pauvres promesses?


Pourquoi faire se laisser reprendre,
Le coeur en chamade,
Ne rien y comprendre,
C'est une embuscade,


L'amour, hum hum, j'en veux pas
J'préfère de temps en temps
Je préfère le goût du vent
Le goût étrange et doux de la peau de mes amants,
Mais l'amour, hum hum, pas vraiment!

caleidoscópio

"Em lugar dos Alpes existia um pequeno vilarejo que se dedicava ao cultivo de uvas e produção de vinho. Uma vez por ano, lá ocorria uma festa para comemorar o sucesso da colheita.

A tradição exigia que nesta festa, cada produtor do vilarejo trouxesse uma garrafa do seu melhor vinho, para colocar dentro de um grande barril que ficava na praça central.
Entretanto, um dos cultivadores pensou:
“Por que levar uma garrafa do meu mais puro vinho? Levarei uma de água, no meio de tanto vinho o meu não fará falta”. E foi o que fez.

No "pipocsou" dos acontecimentos, como era de costume, todos se reuniram na praça, cada um com sua caneca, para provar daquele vinho, somatório das melhores sementes, com fama além das fronteiras do país.

Mas no entorno do líquido, uma presença insípida e inodora... o silencio tomou conta da multidão.
E daquele barril passou a sair apenas e tão somente água, ao longo dos anos.
Como isto aconteceu? É que todos os outros cultivadores começaram a pensar do mesmo jeito:
“a ausência da minha parte não fará falta”. A festa perdeu em sua tradição e grandeza.

Original e naturalmente você


Não. Não é preciso estar com aquela roupa da moda para conseguir quem você quer. Muito menos com sapatos caríssimos, às vezes cafonérrimos. Definitivamente, artifícios são fogos. Explodem e pronto. É finito.
É preciso sim estilo. E essencialmente, originalidade. Um destino não é apenas o que está configurado como passado (o que na verdade não passa de uma lembrança e alguns registros aqui e ali: fotográficos, fonográficos, digitais ou na melhor das hipóteses "esferográficos"). Destino é também o que você deseja para você e pode mesmo ter algo em comum. Alguma afinação e sintonia. Não. Não são apenas os gostos em comum. Muito menos os códigos criados. Uma certa paz de espírito ajuda e muito. Afinal, vou olhar e pressentir: Tem alguma coisa mais ali adiante, sim, não vou conseguir nunca ver antes de chegar lá... Mas algum sentimento me afasta ou me faz seguir adiante. Algo me paralisa ou me atrai...
Sair de casa como quem vai na esquina e conseguir "criar um instante mágico", o mastercard não compra.

Aliás, vide a teoria dos que ganham cinquenta mil reais por mês:
Apertar parafusos R$: 1,00
Encontrar o parafuso certo: R$: 49.999,00


Simples assim! Mesmo que escreva aqui, sem compromisso, apenas insights e alguns fragmentos de teorias sobre a arte de viver e de levar a vida com alguma alegria, qualquer palavra teclada dirá apenas da história de quem a elabora. No caso, eu.

E eu quero me referir a outra história: A das paixões. Muito próprias em ocidentais desde que os franceses e os americanos resolveram promover suas revoluções. E não falo de coisas do outro mundo. Falo desse mundo mesmo, já que embora católica, não sou em tudo! tão defensora do sagrado, ou mesmo cristã.

E eu vou dizer, sem qualquer dispersão, porque o silêncio é a melhor forma de caminhar inteiro: não pretenda! Isso, em inglês do bom, é fingir. Just do it. Be it. Esqueça essa moda do "let it be"... Apenas faça você mesma da sua vida uma suave, terna, despretenciosa, sutil, confortável e amorosa aventura. Com alguma verdade e sem exageros, claro! Muito menos frivolidades, agora para citar os franceses: "la frivolite des moribund".

É preciso que a forma se forme. E o único jeito é apertá-la. Encontrando o parafuso certo... O mais engraçado é que não se encontra procurando. A teoria do "você vai esbarrar e pode ou não reconhecer de imediato" é verdadeira. O mais importante, no entanto, é construir um caminho próprio. Sem atalhos ou dissoluções. E é necessária uma força enorme para não dissolver tipo "bolha de sabão". Ou se "desmanchar aguada" e desmoronar fluida no assoalho.

Sempre há um caminho. Por exemplo: aniversário de uma amiga. Do irmão... Um bom tema de estudo! Tudo isso vai ajudar a manter um "norte". Ou seja lá a direção da rosa dos ventos que mais interessante for. Vez por outra, lembre-se de checar o "piolet". E não deixe de esperar a alma chegar junto, quando estiver bem próxima do topo da montanha. No mínimo, vale avisar ao seu "piloto automático" que alguém tem que apertar o botão para que ele funcione. E esse alguém é você.

Jean Paul Sartre






"Cada homem, cada mulher, é uma liberdade vivendo segundo um projeto original de ser e de escolher"

por Levi Leonel






sábado, 26 de julho de 2008

perguntas e respostas


É a pergunta que dá início a tudo...

- Tia, me dá um trocado?
- Tá, mesmo não tendo "idade" para ser sua tia, eu troco com você! Tá aqui uma barra de "leite condensado caramelizado, com flocos crocante, e o delicioso chocolate que não preciso dizer o nome". É seu. Se puder me responder também a uma pergunta: Você sabe guardar um segredo?

Os olhos de um branco destacado na pele tão negra e de uma expressão ainda triste vão se abrindo mais... A cabeça balança afirmativa e a boca, enfim, morde o doce. A próxima pergunta, vinda da pequena, já é outra:

- Que horas são?

...

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Um copo de "lete" salva!


O copo de leite teve uma brilhante idéia e - erguendo a sobrancelha - disse: "vamos poupar nossas energias. Afinal, não temos mesmo que perder tempo, nem desperdiçar a sorte, nesta vida. A graça de estar vivo, além de ser quem nós somos, é poder escolher um sorriso mais suave. E um rosto mais verdadeiro, com o passar dos anos. Abrir o guarda-chuva já nem é necessário. Não quando ainda temos sobrancelhas...."

A fome de viver

,meu Deus. Até que ponto ela ia na miséria da necessidade: trocaria uma eternidade de depois da morte pela eternidade enquanto estava viva.

Até que teve fome mesmo, foi buscar uma pêra e voltou ao terraço. Ela estava comendo. Sua alma humana era a única forma possível de não chocar desastrosamente com a sua organização física, tão máquina perfeita esta era. Sua alma humana era também o único modo como lhe era dado aceitar sem desatino a alma geral do mundo.

Apesar da ameaça de chuva iminente e da angústia que o jasmim sufocante já lhe estava dando, descobria, descobria. E não chovia, não chovia. Mas a hora mais escura precedeu aquela coisa que ela não queria sequer tentar definir. Esta coisa era uma luz dentro dela, e a essa chamariam de alegria, alegria mansa.*

*minha terna Clarice!

Ao Moska e outros filósofos contemporâneos


"Não. Não seria o tipo de homem que deixaria ela sair com um sorriso. Não ia mentir. "

quarta-feira, 23 de julho de 2008

por André Comte-Sponville


Que fazer? Como escapar desse ciclo da frustração e do tédio, da esperança e da decepção? Há várias estratégias possíveis. Em primeiro lugar, o esquecimento, a diversão, como diz Pascal. Pensemos rápido em outra coisa! Façamos como todo o mundo: finjamos ser felizes, finjamos não nos entediar, finjamos não morrer... Não vou me deter nisso.

É uma estratégia não-filosófica, pois em filosofia, trata-se justamente de não fingir.

Segunda estratégia possível: o que chamarei de fuga para a frente, de esperanças em esperanças. Mais ou menos como esses jogadores da loto, que todas as semanas se consolam de terem perdido com a esperança de que ganharão na semana seguinte.... Se isso os ajuda a viver, não sou eu quem vai criticá-los. Mas, aqui também, vocês hão de convir que isso não é filosofia, e muito menos sabedoria.

A terceira estratégia prolonga a precedente, mas mudando de nível. Já não é uma fuga para a frente, de esperanças em esperanças, mas antes um salto, como diria Camus, numa esperança absoluta, religiosa, que não é suscetível, acredita-se, de ser decepcionada (já que, se não há vida depois da morte, não haverá mais ninguém para percebê-lo). No fundo, é a estratégia de Pascal.

O mesmo Pascal que explica tão bem que, "dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos", é o que escreve em outro fragmento dos Pensamentos:

"Só há bem, nesta vida na esperança de outra vida."

É o salto religioso: espera a felicidade para depois da morte. Ou em termos teológicos: passar da esperança (como paixão) à esperança (como virtude teologal: porque ela tem Deus mesmo por objeto). Essa estratégia tem suas cartas de nobreza filosófica... Mas é preciso, além do mais, ter fé, e vocês sabem que não a tenho.

Ou estar disposto a apostar a vida, como diria Pascal, e a isso eu me recuso: o pensamento deve se submeter ao mais verdadeiro, ou ao mais verossímil, e não ao mais vantajoso.

Portanto tive de tentar inventar, ou reinventar, outra estratégia. Não mais o esquecimento ou a diversão, não mais a fuga para a frente de esperanças em esperanças, não mais o salto numa esperança absoluta, mas ao contrário, uma tentativa de nos libertar desse ciclo da esperança e da decepção, da angústia e do tédio, uma tentativa - já que toda esperança é sempre decepcionada - de nos libertar da própria esperança.

É o que me leva a meu segundo ponto...

(A Felicidade desesperadamente)

Gabriel García Márquez - Me alugo para sonhar

"Neruda dormiu no ato, e despertou dez minutos depois, como as crianças, quando menos esperávamos. Apareceu na sala restaurado e com o monograma do travesseiro impresso na face.
- Sonhei com essa mulher que sonha - disse.

Matilde quis que ele contasse o sonho.

- Sonhei que ela estava sonhando comigo - disse ele.

- Isso é coisa de Borges - comentei.

Ele me olhou desencantado.

- Está escrito?

- Se não estiver, ele vai escrever algum dia - respondi - Será um de seus labirintos".

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Cantou cantou

Passarinho,

canta de novo,

mansinho assim!



Vi que você ficou

Feliz, cantou cantou...

Tão bom quanto pra mim?



Ganhou tantinho de amor

Ganhou tantinho de mim

E canta canta... Sem parar.



Meus dedos longos

Em negros cachinhos


"Se te vejo

Tenho pressa

Se te tenho

Tenho medo"


Foi anel, passarinho

Meu corpo fininho

E longo, envolto no teu


O teu corpo tão firme

Nem por fração de segundo

Foi tímido, mudo ou inseguro


A visão do Paraíso

Deixou nas alturas

Que eu não tive

Qualquer "impulso"

De "felicidade adiada"


Não pensei refletir

Meditar, evitar,

Dizer não. Porque sim!


Tinha ali sintonia

Energia: Química, Física,

Biologia, toda matéria afim


Teu calor, e em mim

Essa temperatura

(Jeito "vulcão" de água pura)

Parece até que nasci assim.


Teu diapasão suave

Medindo vibração foi

Canção pura, que dura...

Continua tocando em mim


E aí você cantou

Criando melodia

Mostrou as estrelas

Quando já nascia o dia


Espantou a tristeza

A nuvem da dúvida

Toda feia incerteza

De Carnaval infeliz

Livrou-me do traje

fantasma. Despi:


Vesti fantasia de flor

Que você beijou nas

Pétalas e só não foi

A noite inteira porque

Minha "atitude" não deixou


Rego. E rogo por ser

Repetido o gesto noir

Suspenso prazer de

Gozo me fez levitar


Gostei 'inda mais de você

Porque teve atenção de não

plantar em mim semente

nem me fazer de chão


Vi foi o céu! pertinho de tu

E tu bem juntinho de mim


Canta de novo

No meu ouvido

Pode cantar sim!


Dessa vez não vou embora.

Fico um bocadinho mais,
Sem sombra de demora

Eu vou, eu já fiquei...

E estou...

Aí com você

Aqui comigo


Vou dizer passarinho,

Sai. Mas fiquei ninho.

Por que ler Borges?


por Ana Cecília Olmos

Um homem se propõe a tarefa de desenhar um mundo.
Ao longo dos anos, povoa um espaço com imagens de províncias, de reinos, de montanhas, de baías, de naus, de ilhas, de peixes, de moradas, de instrumentos, de astros, de cavalos e de pessoas. Pouco antes de morrer, descobre que esse paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu rosto.

Epílogo, O fazedor, 1960*

Meus livros (que não sabem que eu existo)
São tão parte de mim como este rosto
De fontes grises e de grises olhos
Que inutilmente busco nos cristais
E que com a mão côncava percorro.
Não sem alguma lógica amargura
Penso que as palavras essenciais
Que me expressam se encontram nessas folhas
Que não sabem quem sou, não nas que escrevi.
Melhor assim. As vozes dos mortos
Vão me dizer para sempre.

"Meus livros", A rosa profunda, 1975*

*Jorge Luís Borges
Por que ler Borges
Ed. Globo

sábado, 19 de julho de 2008

epitáfio


Nessa vida:


conheci os "limites" do corpo

e os caminhos também


tenho poucos, mas bons amigos

escolho, não me deixo ser vítima

olho invariavelmente com calma,

amo em detalhes


ouço canto de passarinhos

Colho pitangas? sim e flores

presto atenção em tudo

capturo serena cada instante


choro - quando chove - muito

ando sorrindo mais...


não abro mão de ver as pessoas

com alguma dedicação e delicadeza

crio, todos os dias, meu modo de ser feliz

Vejo que ela - a vida - tem me dado

Todas as chances. Não desperdiço,

Isso sim é pecado.


Guardo comigo cada cena, mais ainda quando à meia luz...

quinta-feira, 17 de julho de 2008


Júlio Cortázar, um dos maiores contistas latino-americanos, diferenciou o conto do romance. Se compararmos os dois a uma luta de boxe - disse -, no conto se vence por nocaute, no romance por pontos, no conto se é vertical, no romance horizontal. Essa brevidade aguda e concentrada, o nocaute que acaba a luta antes do marasmo dos pontos, está mais do que preente nos contos de Machado. Vá lá, um por um.


Marcelo Bakes


A Cartomante
Machado de Assis



Hamlet obesrva a Horácio que há mais cosas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.


- Ria, ria. Os homens são assim: não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa...". Confessei que sim, e então ela continuou a botas as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...

- Errou! interrompeu Camilo, rindo.

- Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa... Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...


Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casa. Vilela podia sabê-lo e depois...


- Qual saber! Tive muita cautela, ao entrar na casa.

- Onde é a casa?

- Aqui perto, na Rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca.


Camilo riu outra vez:


- Tu crês deveras nessas coisas?, perguntou-lhe.


Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muita coisa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranqüila e satisfeita. Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirma, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.


Separaram-se contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo não só o estava mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era na antiga Rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu, pela Rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da Guarda Velha, olhando de passagem para a casa da cartomante.


Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.


- É o senhor?, exclamou Rita, estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu marido é seu amigo; falava sempre do senhor.


Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram amigos deveras. Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do Vilela não desmentia as cartas do marido. Realmente, era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vinte e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição. Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.


Como daí chegaram ao amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela; era a sua enfermeira moral quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odor di femina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; ela mal, ele, para lhe se agradável, pouco menos mal. Até aí as coisas. Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes o fazer ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas.


Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente, e de Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio coração; não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes, ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as coisas que o cercam.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Filosofia de Poste

Da altura onde se está
Não dá pra ver - ao certo
Quanta energia vem vindo
Mesmo se de material concreto
O mais natural
Quando eu poste,
É imaginar:

Serei partido ao meio?
Vou "explodir estraçalhado"?
Será que tal felicidade corrente
De tão alta voltagem
Não quer me "estrangular"?
Será que não quer desconstruir
Sem dó nem mi, nem piedade
O que foi tanto, já é tão difícil reter
A minha "verdadeira estatura"
Minha composição e identidade
...
Não poste, porque nada na vida dura
E se for nascente d'água, vai fluindo indo indo
Pra bem longe das circunstâncias,
O que é ruim vai sumindo
...
É difícil entender, mas não precisa explicar
Eu sou apenas uma antena de tevê
Transmito tudo, e é preciso olhar
Pra cima para poder me ver
...
Eu escrevo em diários
E garotas mesmo más
Não têm tempo para isso...
Não perdem um minuto do dia
Muito menos de suas noites
Querendo compreender
Ou se "comunicar"
Preferem seus vícios
...
Privilégio de água pura
Ao encontrar pedra dura
É respingar mais alto
E seguir seu caminho
É como o destino.
...
O da lua é nascer
Perolada
E morrer branca
Nunca opaca.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Silvina Ocampo



"Quando morreres, os demônios e os anjos, que são igualmente ávidos, sabendo que estás adormecido, um pouco neste mundo e um pouco em qualquer outro, chegarão disfarçados em teu leito e, acariciando tua cabeça, te darão a chance de escolher entre as coisas que preferiste ao longo de tua vida. Abrindo todo o leque de opções vão mostrar-te tua sorte.

A princípio, eles ensinarão as coisas elementares. Se te ensinarem o sol, a lua ou as estrelas, tu verás em uma esfera de cristal pintada e vais crer que essa esfera de cristal é o mundo. Se te mostrarem o mar ou as montanhas, tu verás uma pedra e vais crer que essa pedra é o mar e as montanhas; se te mostrarem um cavalo, mesmo que seja uma miniatura, tu acreditarás que aquele é um verdadeiro cavalo.

Os anjos e os demônios distrairão teu ânimo com retratos de flores, frutas abrilhantadas e bombons fazendo-te crer que és, todavia, uma criança, te sentarão num acento de mãos, chamada também de acento do rei ou acento de ouro, e desse modo te levarão em mãos entrelaçadas, por aqueles corredores ao centro da tua vida, onde moram tuas preferências. Tens cuidado: se elegeres mais coisas do inferno que do céu, iras talvez ao céu, do contrário, se elegeres mais coisas do céu que do inferno, corres o risco de ir ao inferno, pois teu amor pelas coisas celestiais denotará mera concupiscência.

As leis do céu e do inferno são versáteis. Depende de um ínfimo detalhe que vás de um lugar a outro. Conheço pessoas que por uma chave girada numa gaiola de vime foram ao inferno e outras que por papel de diário ou um copo de leite, ao céu".*

*livre tradução

sábado, 12 de julho de 2008

Sagarana


"E foi assim que fiquei noivo de Armanda, com quem me casei, no mês de maio, ainda antes do matrimônio da minha prima Maria Irma com o moço Ramiro Gouveia, dos Gouveias da fazenda Brejaúba, no Todo-Fim-É-Bom".

quinta-feira, 10 de julho de 2008

dente de leão

Há uma florzinha que em latim tem nome taxativo:

"taraxum officinale"

Pois bem. Tal delicada plantinha antes de se desfazer no contato com o vento, lembra a imagem de um poderoso leão e sua juba.
Melhor: comunica o que há por trás dele... E ainda: o seu interior.
Os médicos árabes já a conhecem desde a Antiguidade. Há provas que resistiram à passagem dos séculos desde o décimo segundo deles. Sabe-se, inclusive, o nome de dois pesquisadores e médicos que se dedicaram a ela: Rhazes e Avicena.
Pasmem, essas plantas ajudam no processo de desintoxicação do fígado e de regeneração do organismo.
É da família dos Girassóis. E, como tal, abre ao sol, porque é responsiva à luz do dia. No entanto, quando o clima é sombrio ela é abatida, esta beleza amarela desliga-se...
De fato é uma boa fonte de boro, cálcio, magnésio, ferro, niacina, lecitina, fósforo, potássio, silício, e proteínas. As folhas têm vitaminas C, A, D, e B. Entretanto, os ingredientes ativos das raízes incluem taninos (presente nos vinhos), esteróis, asparagines, amargo glicosídeos, triterpenes, inulina e voláteis do petróleo. Vulnerável ao fogo.
É chamada também por outros codinomes:
Coroa do Monge,
Quartilho,
Amor dos Homens,
Dandelion, em inglês
Diente de Leon, em castelhano
Pisenlit, em francês

Seu habitat é "a selva". Para crescer prefere seu estado selvagem. Um pouco por todo lado. Está em quase todo o mundo, nos prados e relvados, bermas das estradas e caminhos, terrenos incultos, nos jardins dos centros urbanos... é muito resistente à poluição.
Na França e na Alemanha é cultivada para fins medicinais. É uma planta vivaz, com folhas bacilares de recorte irregular que se desenvolve em forma de roseta, caules ocos e flores amarelo-dourado medindo entre 30 a 50cm de altura.
Raiz aprumada de duas ou mais cores: branca ou amarelo acastanhado. Em todas as suas partes pode se encontrar uma espécie de suco leitoso que "na Primavera se concentra na folha e no Verão está presente nas raízes".

As sementes são leves, esvoaçantes e coroadas de um papilho. São produzidas inúmeras variantes da forma básica do dente de leão dependendo isto do tipo de paisagem, solo, estação, clima, altitude e, por que não, atitude.

Dente de leão é a imagem de uma planta alpina: raiz forte, folhas em roseta, com flores grandes e brilhantes, e um importante perfume sutil e delicado. Muito embora também esteja nos vales e planícies.

E, como nem tudo é imperfeitamente linear, a sua composição é blues. Taraxacina lhe oferece um sabor amargo. Como no vinho há tanino. Há ainda ácidos fenólicos, resina, inulina, cumarinas, inositol, carotenóides, açúcar, glicócidos, minerais, cálcio, ferro, magnésio, e bastante potássio, sílica e ainda vitaminas A, B e C. E fibras, muitas fibras, que são solúveis... estão na raiz.
Suas folhas verdes e tenras contém boa dose de beta-caroteno que é a vitamina A existente dos frutos amarelos e nos vegetais verdes.

Mais: apuram elementos como cálcio, de ferro e de vitamina C.

Se se come uma Dente de Leão? Sim. E uma "dieta rica" em seu consumo, sem exageros - é claro - reforça os esmalte. As folhas são um potente diurético e ao contrário de muitos diuréticos convencionais que causam a perda de potássio. Não acontece porque essa florzinha tem, sobretudo, alto teor de potássio. (Cerca de 5%).

Digerida, detalhe importante, reduz o volume de líquidos no organismo... Ajuda a processar "gorduras". Purifica o sangue e os tecidos, sendo útil no tratamento de doenças de pele, erupções cutâneas e dificuldades circulatórias. Internamente, pode-se dizer que é de "lavar a alma" no corpo".

Dela pode se dizer: é uma infestaste dinâmica! prefere solos fundos tal como a luzerna e o trevo. Por isso as redondezas ficam cheias de minhocas. Apreciadoras do que não possuem, a dente-de-leão oferece a essas criaturinhas sua excelente produção de húmus. (Escapou um riso?)
É mesmo preciso maestria... muito muito cuidado. Porque tão útil ervinha, numa relva, pode tragar seu "falso aspecto". Natural que aconteça um pouco de competição. É dada em cenário de raízes profundas.

Tão produtiva e seivadora acaba por trazer à superfície os minerais existentes em profundidade, especialmente o cálcio, promovendo desta forma a restauração do solo conseguindo penetrar mesmo nas formas mais endurecidas do solo.

Quando morre, as suas raízes ainda servem à toda recuperação da vida. Permite, sem dó de si mesma ou do que restou por ali, a "penetração" das minhocas. Esses bichinhos "nojentos" precisam de acesso às camadas fundas do solo, antes inacessíveis a estes vermes tão "úteis".

Tem mais? Sim. O Taraxaco estimula o crescimento de outras plantas também produtoras de flor. E as melhores de todas que são aquelas que produzem frutos. Também oferece mais chances ao seu amadurecimento. Digo, dos frutos.

Suas flores - ricas em néctar - atraem abelhas, borboletas e alguns tipos de pássaros.
Cientificamente, o dente de leão é muito utilizada na agricultura biodinâmica.
Existe um sem número de receitas interessantes e fáceis de confeccionar, tanto com as folhas, flores ou com as raízes da florzinha.

A presença das folhas nas saladas garante vitaminas e minerais. E, é evidente, são menos amargas quando colhidas jovens e ainda tenras.
Com limites, nessa rapidez, claro. No início da Primavera, os botões por desabrochar são deliciosos se forem cozidos com alhos-porros e temperados ligeiramente com manteiga ou azeite, sal e pimenta.
Outra escolha é cozinhá-la a vapor. Assim é possível confeccionar deliciosas tartes de dente de leão e urtigas. As flores podem também ser adicionadas em saladas depois de removidas todas as partes verdes (sépalas e caule).

Dá para fazer um pome de ovo farinha e leite mergulhando as flores que depois serão fritas.

Na Inglaterra se faz um delicioso vinho com as flores que se põe a fermentar ainda no mês de Abril (uuuu) e consumir no Natal.

As raízes jovens a gente descasca e frita ou elas mesmas cozem-se, como aspargos.

Depois de lavadas, as raízes de dente de leão torradas no forno e moídas, podem substituir as de café! (hum...será?)

Esse "relógio do pastor" abre suas flores às cinco da madrugada e as fecha ao fim do dia. As borlas felpudas servem de barómetro: se as sementes voarem sem haver vento, é sinal de que vai chover...

Por outro lado, os frutos felpudos cheios de semente podem servir de oráculo. O que se sabe é que quando sacudidos pelo vento as sementes que nele permanecerem indicam o número de anos de vida que a pessoa tem pela frente. É só tentar.

Brincadeiras boas inventam crianças em toda parte do mundo. Elas usam pés de dente de leão como instrumentos musicais, colares e pulseiras.

Anote aí a receita de vinho: 7 litros de água, 7 litros de flores, 2,5 laranjas cortadas em 4,1 limão cortado em 4,1 pacote de levedura seca, raiz gengibre ralada, 1,2 kg de açúcar. Modo de fazer: colha as flores em dia de sol, deixe os insetos saírem espalhando em folhas de jornal; coloque em recipiente de cerâmica, despeje água, cubra e deixe 24 horas. Coe para caldeirão esmaltado, adicione laranja, limão e gengibre. Ferva por 30 minutos, coe e junte o açúcar. Quando estiver morno, junte a levedura, previamente dissolvida em duas colheres de sopa do líquido. Aí, então, é hora de privá-la da luz. Cubra e deixe fermentar mais ou menos 7 dias. Despeje em garrafões e deixe em repouso por um mês. Aí decantá-lo para garrafas menores. Estará bom após 5 meses...sete...nove...dez... anos! (quem sabe?)

ev.o.luç.ão gra.d.ativa


se - men - te

semen. te

se. mente

semente.


(só para quem sabe esperar)

terça-feira, 8 de julho de 2008

matemágica!


Equaciono os anseios:
todos!

Desejos, nem sempre
são tolos.

"Matematicamente",
eu aceito
É mágico quando
Apenas compreendo


Não há truque

Só não rejeito

O que - com ou sem efeito -

o Universo transforma

ou parece querer que

eu mude

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Vagamundo, por Eduardo Galeano


"- Quando eu for astronauta, vamos ir para a lua ou vamos ir pescar.

Fora, o infinito caminho da terra se estende, pó e frio, através dos cotos das árvores podadas. Há um sol branco no céu. Tavito olha fixo para o sol, em seguida fecha os olhos, sente o sol metendo-se, estremecedor, no corpo. A luz o persegue e aquece suas costas. Entre o sol e Tavito, caminha uma mulher que leva um pacote de roupa pendurada em uma mão.

Do outro lado das colinas, as acácias cheiram a mel. E na cidade, não muito longe daqui, o vento ergue papéis velhos, em redemoinhos pelas ruas. Nos mercados, anunciam morangos de Salto. Os cachorros cochilam, ao sol, junto dos mendigos. Sentado na beira da calçada, um garotinho desenha o mundo com um palito."

*para esse menino, uma flor.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

pequenos gestos

uma pitada de sal
um pouco de pimenta
um jeito de quem agüenta
aquecer a colher num
pequeno cálice
ainda sedenta

Calor que molda
a borda da frigideira
sou tapioca que inventa

Essa massa tão branca
De algum fogo me queima...
Sou um olhar pela janela
A faísca perdida que teima

um raio de sol
o orgulho da brisa
E venta...

o dedilhar discreto
do sentimento secreto
sinfônico-anônimo objeto
teu pouso difícil, com sucesso.

A luz que faltava
O Amor que evitava
O perfil que não constava
A assinatura modificada

Meu nome nunca foi
Isaura

Mesmo longe, sou seu hoje
Se gosta me mostre, sou árvore
E, da minha altura, não sou poste
Ainda que em dedos encoste

Não, não é tu quem sofres
Pela ausência da amada

Lost eu era
Forte? quem dera!
Se ele se esmera
É pedra, eu era...

Hoje sou mais ser
Fera.
Nunca ferida
Sou pessoa querida

Quisera eu mesma
Fizeste um sol
de conta corrente

Nem mesmo o mundo
oval, excelente!
saberia da força
que agora eu sinto
decente

Logo eu, alguém tão crente
Por alguém tão "ausente"

Eu mesma, soubera mais nova
de ser tão semente...

Ao sul ou ao norte
alguém veemente
E bem diferente

Se alguém me seivou
Do vento, o gosto docente

Um dia ainda serei quem eu sou
E não apenas alguém que restou

Carrego alegre
Com orgulho exigente
a história toda na mente

tão rente, e criativa
de quem não complica,
só sente as chances
que tem pela frente

Eu mesma ainda despejo
mensalmente no ventre
as possibilidades de mim:
tão graciosas e inteligentes

Queira ou não
eu mesma sou fera:
por mais que Kundera

Alguém tão somente,
semente de alguém
que sabe, nem sente
Saudades de mim
no futuro presente

E ainda quero teu calor
Meu engenheiro do Amor

Sou pessoa tão solene

Carente de melodias que
mesmo cercada de gente
Fico carente de alegrias

Que sei, são precisas!
Ainda filtro o sentimento
De alguém que evita
revelar o intento
para alguém que medita

Quando alguém vive bem
Esquece do Amor
Reservado para gente